domingo, 5 de fevereiro de 2012

Eis o perigo de mexer com pessoas “amadas”

 "King Kong, um macaco que, depois que vai para a cidade e fica famoso, pega uma loira. Quem ele acha que é? Jogador de futebol?"
Recentemente li uma matéria, muito aplaudida por sinal, onde um indivíduo tenta justificar uma piada preconceituosa (sim, é preconceituosa!) e ainda é considerado um gênio por isso. Não consigo enxergar genialidade em uma defesa que por si só é tendenciosa. E sinto pelos meus amigos gênios como Einstein (aquele que diz que é mais fácil desintegrar um átomo que um preconceito) por terem sido rebaixados a um nível tão estúpido. 
Depois de toda a polêmica em torno da piada,o hilário comediante se defende com os argumentos: "Alguém pode me dar uma explicação razoável por que posso chamar gay de veado, gordo de baleia, branco de lagartixa, mas nunca um negro de macaco?"  "Na piada do King Kong, não disse a cor do jogador. Disse que a loira saiu com o cara porque é famoso. A cabeça de vocês é que têm preconceito."
E eu penso cá, com meus botões: É óbvio! Porque não pensei nisso antes? Mas é claro que foi a respeito do interesse pela fama! Quem viu o filme sabe que o King Kong era um animal podre de rico e super amado por todos, é mera coincidência que o maior número de jogadores de futebol no Brasil sejam negros. Claro que não foi pela cor, é por isso que o grande mistério não está em pegar uma loira (oposto ao negro), tendo em vista que a cor da personagem é irrelevante, já que somos todos iguais.
Gostaria de achar mesmo alguém que lhe desse essa explicação razoável, já que é no mínimo intrigante que alguém se ache no direito de fazer piadas com o peso, cor, gênero ou orientação sexual de outrem. Eu suponho que se trata de uma necessidade de chamar atenção por não ter superado o trauma de ter sido chamado de girafa durante a infância, só pode.
Já que segundo ele girafa é um xingamento muito mais ofensivo que macaco, dada a maior capacidade de raciocínio do segundo em relação ao primeiro. Por este pensamento, se alguém chama outro de macaco não se trata de uma alusão a sua aparência física, mas ao grau elevado do QI do indivíduo, é lógico! Trata-se de um elogio e um dos melhores possíveis.
Mas a genialidade do comediante não para por aí, afinal um parágrafo é muito pouco para ser consagrado gênio. O autor faz ainda uma comparação esdrúxula entre a escravidão por raça e a econômica, mesmo tendo iniciado seu texto citando que a diferença entre raças surgiu da imaginação dos escravagistas.  Esqueceu, porém, de dizer que a diferença básica entre estas reside na justificativa da superioridade racial e cultural utilizada pelos colonizadores, além é claro, de guerras internas serem incitadas para que negros vendessem outros negros, já que não se tratava de uma sociedade homogênea como leva a crer. O que é contraditório, pois se considera que estes negros são iguais uns aos outros por serem negros, ignorando suas peculiaridades, está fazendo uma distinção de raças.
Ele ainda se gaba por nunca, em toda sua vida, ter escravizado um negro. Creio que só não o fez dada a situação sócio-histórica em que está inserido. Não se pode ignorar também a sua predileção por essa parte da história, será que é para que as pessoas se identifiquem mais facilmente? Não sei, mas gostaria de lembrar, que a segregação racial não é uma particularidade nossa e de tantos séculos atrás, ocorreu até muito recentemente, 1994, com o regime do Apartheid, além é claro de ser visível e recorrente mesmo em nossos dias.
Além de seu vitimismo por não poder usar a cor preta (estranho porque ninguém o criticou por isso) o autor deturpa os motivos do movimento pela consciência negra. O reduz à simples necessidade de se sobressair quando na verdade trata-se de um protesto óbvio à condição que lhe é imposta. A necessidade de orgulhar-se por ser negro só surge diante da desvalorização deste em uma sociedade em que o negro é reduzido “a cor do pecado” e nunca é associado ao intelecto.
E aí está o perigo de mexer com pessoas amadas, qualquer idiotice que elas disserem será considerada genial e disseminada ainda que sem questionamentos muito profundos. Não se iludam. O autor não defende igualdade de raças, mas o direito de rechaçar pela raça.

2 comentários:

  1. Muito bem escrito, eu queria ter dado minha opinião sobre o assunto mas não encontrava as palavras certas para ir contra alguém que todos estavam aplaudindo, vc me deu as palavras.

    ResponderExcluir
  2. Oi, Venusiana. Texto urgente e provocador. O Brasil ainda guarda muitas peculiaridades em sua sociedade. O fato é que, mesmo em pleno século XXI, o Brasil ainda é uma sociedade racista, homofóbica, e de extrema imobilidade social.

    ResponderExcluir